Materiais didáticos e projetos – Entrevista: Stela Piconez

Profa. Dra. Stela C. Bertholo Piconez

“Não acredito que os livros didáticos e/ou materiais estruturados dificultem a estratégias de projetos nos espaços escolares”

Esta é a opinião de Stela Piconez, professora doutora da USP sobre a aprendizagem baseda em projetos (ABP).

Confira a resposta a 2a pergunta da nossa entrevista que inicia a série com convidados no blog Aprender com Projetos.

Entrevista por Claudia Zuppini Dalcorso

Profa. Dra Stela C Bertholo Piconez

Profa. Titular da Faculdade de Educação da USP

Profa. Pós-Graduação: Ambientes Virtuais de Aprendizagem Cooperativa

Autora do Sistema Transversal de Ensino-Aprendizagem (Pedagogia de Projetos em rede)

Questões:

1 – Qual a sua opinião sobre o uso de projetos como estratégia de ensino? Destaque pontos favoráveis ou desfavoráveis.

A idéia de se trabalhar com projetos na educação formal não é recente. Surgiu no início do século com John Dewey e outros representantes da chamada “Pedagogia Ativa”. A discussão estava embasada numa concepção de que “educação é um processo de vida e não uma preparação para a vida futura e a escola deve representar a vida presente tão real e vital para o aluno como a que ele vive em casa, no bairro ou no pátio” (Dewey, 1897).

O trabalho com projetos constitui uma das posturas metodológicas de ensino mais dinâmica e eficiente. Amplia a força motivadora em aprendizagens em situação real, de atividade globalizada e trabalho em cooperação. Entretanto, apesar de presente enquanto concepção na educação escolar, o fato das TIC fazerem parte da vida de nossos alunos revigora sua idéia devido a exuberância de fatos e informações, temas e problemas com disponibilidade de acessibilidade imediata e de comunicação coletiva, via web.

Considero relevante a criação de projetos no espaço escolar quando compreendido como atividade organizada, que tem por objetivo resolver um problema, em tempo real e de acordo com o processo de vida dos alunos.

Destacamos sua importância como estratégia de apoio ao processo de ensino-aprendizagem que têm por meta principal o ensino de alguns conteúdos e/ou temas predeterminados articulado à aprendizagem significativa dos alunos. Mas, sobretudo como situações que partem de um desafio, de uma situação-problema e que sempre têm como um de seus objetivos uma meta final. É diferente das atividades seqüenciadas dos livros didáticos que se organizam por nível de dificuldade estimado e dependem do ensino de conteúdos pré-determinados. Sua duração envolve um cronograma letivo de atividades, geralmente fragmentado em disciplinas e com duração seriada.

Na maioria dos casos, os projetos envolvem mais de uma área de conhecimento sendo, portanto, interdisciplinares e com envolvimento de situações que também privilegiem o desenvolvimento de atitudes, hábitos e habilidades como a leitura, a pesquisa, a argumentação etc. Também os projetos se caracterizam por duração variável e podem perpassar os conteúdos curriculares, independentes de sua organização nos livros didáticos e planos dos professores.

Aspectos Positivos

A principal resposta à questão sobre os pontos favoráveis é que em um projeto há uma idéia, uma possibilidade de realização, uma meta, um querer que orienta e dá sentido as ações que se realizam com a intenção de transformar a meta em realidade. Este aspecto colabora para que a aprendizagem dos alunos seja significativa e tenha sentido.

Um projeto se orienta pela pesquisa de informações e pela construção de novos conhecimentos e orienta os alunos para uma meta, uma concretização final de um problema com possibilidade criadora. Tais orientações são fundamentais para que os alunos compreendam as decisões e escolhas feitas durante a realização do projeto; estabeleçam cumplicidade de finalidades e de contribuição; desenvolvam sua autonomia intelectual e coletiva bem como a capacidade de tomar decisões e fazer escolhas com o propósito de realizar pequenos ou grandes projetos pessoais.

Aspectos Negativos

Os aspectos desfavoráveis à adoção de uma pedagogia de projetos consistem em alguns cuidados que devem ser tomados, além dos necessários em qualquer situação de ensino-aprendizagem nas escolas.

Todo projeto precisa ter uma idéia bem definida cujas metas e/ou etapas determinarão e justificarão os esforços empreendidos (pesquisa, construção, fases). Além disto, seu planejamento deve envolver a participação dos alunos em suas decisões para que a aprendizagem de análise e de crítica na tomada de decisões possa ser compartilhada com os colegas e professores.
Além da definição clara de um projeto, se não houver envolvimento dos alunos e/ou da equipe, maior é a probabilidade de resultados desfavoráveis. Os projetos bem sucedidos são muito bem planejados. Se não houver um cronograma de providências e resultados bem elaborado a partir do qual, os participantes possam controlar o bom andamento dos trabalhos em direção aos resultados previstos, o projeto poderá não obter êxito. A existência de um coordenador é providência necessária para a implantação e desenvolvimento do projeto para que se consiga atingir a meta definida.

É muito importante que a equipe, liderada pelo coordenador, mantenha-se atenta à execução do cronograma, acompanhando se as coisas estão dando certo. A avaliação permanente deve se concretizar em ações corretivas, assim, se for preciso, o coordenador deve tomar as providências necessárias para que a tarefa esteja feita no prazo ou decida consensualmente por sua prorrogação.

Um projeto é sempre uma estratégia favorável à construção de conhecimentos pelos alunos. Porém, se não tomar certos cuidados pode gerar pouco êxito ou aspectos desfavoráveis.

2 – Você acha que o uso de materiais estruturados, como livros didáticos ou cursos apostilados, impedem ou dificultam o uso de projetos em sala de aula?

Não acredito que os livros didáticos e/ou materiais estruturados dificultem a estratégias de projetos nos espaços escolares, se ficou clara a idéia e o conceito de projeto exposto na questão anterior. Para que os professores possam atender aos pressupostos necessários à sociedade do conhecimento é preciso compreender que um paradigma inovador, denominado de Paradigma Holístico, segundo Edgar Morin, (2000) sustenta o princípio do saber do conhecimento em relação ao ser humano, valorizando a sua iniciativa, criatividade, complementaridade, convergência, complexidade. O ponto de encontro de seus estudos sobre este paradigma emergente é a busca da visão da totalidade, o enfoque da aprendizagem e a produção do conhecimento, centradas no sujeito que aprende.

A organização do trabalho escolar por projetos sugere o reconhecimento da flexibilização organizativa, não mais linear e por disciplinas, mas em espiral. Segue os princípios de uma Pedagogia de Rede, pela possibilidade de promover as inter-relações entre as diferentes fontes e os desafios impostos pelo cotidiano, ou seja, articular os pontos de vista disjuntos do saber, num ciclo ativo. Um projeto, independente da escolha do tema tem por finalidade ensinar o aluno a aprender utilizando fontes de informação contrapostas ou complementares, e sabendo que “todo ponto de chegada constitui em si um novo ponto de partida” (Hernández, 1998, p.48).

Sob a perspectiva de uma educação mais integradora e interdisciplinar a ação pedagógica inovadora, reflexiva onde possamos dar espaço para que nossos alunos realmente produzam seus conhecimentos para a formação de um sujeito cognoscente crítico, reflexivo e inovador e que tenha um bom relacionamento como pessoa não pode ter apenas nos livros didáticos sua fonte maior. Produzir conhecimento com autenticidade, criticidade, criatividade, dinamismo, entusiasmo, requer que os alunos questionem, investiguem, interpretem a informação, não apenas a aceitem como uma imposição. O trabalho com projetos é ideal para que os alunos aprendam participando, formulando problemas, refletindo, agindo, investigando, construindo novos conhecimentos e informações, problematizando. Tais características têm o poder de ampliar a motivação dos alunos.

A aprendizagem significativa pode tornar o ensino motivador e de qualidade. Levam os alunos a descobrir, investigar, discutir, interpretar, raciocinar, e cujos conteúdos devem ser conectados a uma problemática do contexto social. Daí, a importância de projetos em momento que a web fornece gratuitamente e universalmente tudo que a cultura humana produziu: conteúdos disciplinares, interdisciplinares e transversais. E ao contrário dos materiais estruturados por gerenciamento científico das informações, a web pode fundamentar pela pesquisa as informações atualizadas em segundos e de forma mais dinâmica que os livros. Além disso, potencializa a comunicação por meio das redes de relacionamento. Portanto, não se trata de desprezar os livros didáticos; ao contrário, de integrá-los com novas formas e espaços para aprender.
3 – De acordo com sua experiência em educação você acha que o uso de projetos é uma estratégia comum em nossas escolas.

A Pedagogia de projetos ainda não é usual em nossas escolas públicas. Faltam recursos e uma formação em serviço para os professores usufruírem dos fundamentos e reflexões necessárias para usá-la.

Sempre usei a Pedagogia de Projetos em minhas atuações; nunca desprezei qualquer recurso. Acho a mídia impressa fantástica. Aprendi tudo que sei por ela. Entretanto, as mídias digitais atuais com sua capacidade de mobilidade e de comunicação além da constante atualização das informações nunca agregaram tanto valor inestimável ao processo de ensino e de aprendizagem sob a perspectiva de projetos.

O que ocorre nas escolas é que nossos alunos têm mais acesso via internet que via bibliotecas, livros, enciclopédias, recursos inexistentes em suas casas e nas escolas. Portanto, ignorar tal fato pode trazer interpretações errôneas sobre os recursos existentes.

A construção de conhecimentos está integrada às práticas em que os alunos aprendem participando, formulando problemas, tomando atitudes diante dos fatos da realidade, investigando, construindo novos conceitos e informações e escolhendo os procedimentos quando se vêem diante das necessidades de resolver questões. E eles já desenvolvem estas habilidades participando das redes sociais na web.

Considerando-se Vygotsky, um dos nomes expressivos na pedagogia sócio-histórica cujos estudos defendem que todo conhecimento é construído socialmente no âmbito das relações sociais, uma Pedagogia de Projetos é palavra-chave. A Sociedade do Conhecimento requer que a educação escolar seja um espaço de mediação pedagógica onde a interação, a construção, o processo dialógico, o debate e a ação, possam ser desenvolvidas com o trabalho de projetos. Trata-se de uma postura nova metodológica, concepção em que o professor organiza, media, propõe situações de aprendizagem para os alunos, baseados em um conhecimento construído, refletindo sua ação e desenvolvendo sua aprendizagem. A Pedagogia de Projetos oferece ao professor condições para que ele (re) avalie seu trabalho, sistematizando coletivamente as atividades escolares e para tanto, a formação continuada é urgente.

Para Paulo Freire “o trabalho do professor é o trabalho do professor com os alunos e não do professor consigo mesmo”. O papel do educador, em suas intervenções, é o de estimular, observar e mediar, criando situações de aprendizagem significativa. É fundamental que este saiba produzir perguntas pertinentes que façam os alunos pensarem a respeito do conhecimento que se espera construir, pois uma das tarefas do educador é, não só fazer o aluno pensar, mas acima de tudo, ensiná-lo a pensar certo.

Os professores necessitam estudar novas estratégias com diferentes mídias. Se ainda a Pedagogia de Projetos não se efetiva nas escolas brasileiras, é porque precisamos de ações mais articuladas de uma política educacional séria voltada para a formação docente como uma das prioridades tanto a formação inicial na Educação Superior como na Formação Continuada e em Serviço nas escolas.
4 – Você teria alguma biliografia para nos indicar?

Recomendo estas leituras:

MARINA, José Antonio. Teoria da Inteligência Criadora, Editorial Caminho, Lisboa, 1995, p.168.)

PICONEZ, Stela C B. Pedagogia de Projetos. Cadernos de Reflexão Pedagógica. São Paulo:Feusp, 2006.

LOURENÇO FILHO. O Sistema de Projetos – Introdução ao Estudo da Escola Nova. Lourenço Filho. Edições Melhoramentos, 1929. .

HERNANDEZ, F. e Ventura, M.A organização do currículo por projetos de trabalho. Artes Médicas. 1998.

HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed,1998.

HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000.

MORIN, E. El método: la naturaleza de la naturaleza. Madrid: Cátedra, 1981.

SANTOMÉ, Jurjo T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
ZABALA, Antoni. Enfoque globalizador e pensamento complexo: uma proposta para o currículo escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.

Links

Cardápio de Projetos

http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2002/cp/pgm1.htm
Série especial do programa “Salto para o Futuro” da TV Escola. Tem como objetivo fornecer subsídios para a elaboração de projetos. Discute a sua importância para a Educação. Apresenta sugestões sobre formas de criar, planejar e implementar projetos. Bem como, aponta caminhos para superar problemas na implementação de projetos.

Diários – Projetos de Trabalho

http://portal.mec.gov.br/seed/index.php?option=content&task=view&id=84&Itemid=215
Publicação da Secretaria de Educação a Distância do MEC, material complementar às séries da TV Escola – PCN na Escola. O caderno, lançado em 1998, dividiu-se em dois tópicos principais: Diários e Projetos de Trabalho. Disponível em formato PDF. Para acessar o material é necessário o programa Acrobat Reader.

Nos trilhos da área de projetos

Publicação na qual são abordados os aspectos importantes para o desenvolvimento de uma metodologia de projetos nas escolas de Portugal, e o que vem a ser a área disciplinar não curricular “Área de Projetos”.

http://www.iie.min-edu.pt

Interdisciplinaridade. Fundação Darcy Ribeiro.

http://www.fundar.org.br/temas/texto__7.htm
Apresenta uma reflexão sobre o que se entende por interdisciplinaridade. Questiona como acontece nossa relação com o mundo social, natural e cultural, e se é fragmentada de tal modo que cada fenômeno observado ou vivido pode ser entendido ou percebido como fato isolado.
Inter-transdisciplinaridade e transversalidade

http://www.inclusao.com.br/projeto_textos_48.htm
Texto do Programa de Educação Continuada do Instituto Paulo Freire que discute a importância dos temas transversais (ética, meio ambiente, saúde, pluralidade cultural e orientação sexual) e a conexão entre as diferentes áreas do conhecimento.

Uma postura interdisciplinar

http://www.forumeducacao.hpg.ig.com.br/textos/textos/didat_7.htm
Texto que apresenta o conceito de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.

Sobre Renata Aquino Ribeiro
Researcher

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